Aula 11: Homilética


11.1. O que é homilia?

“Naquele tempo, Jesus veio à cidade de Nazaré onde se tinha criado. Conforme seu costume, entrou na sinagoga no sábado, e levantou-se para fazer a leitura. Deram-lhe o livro do profeta Isaías. Abrindo o livro, Jesus achou a passagem em que está escrito: “O Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me consagrou com a unção para anunciar a Boa Nova aos pobres; enviou-me para proclamar a libertação aos cativos e aos cegos a recuperação da vista; para libertar os oprimidos e para proclamar um ano da graça do Senhor”. Depois fechou o livro, entregou-o ao ajudante, e sentou-se. Todos os que estavam na sinagoga tinham os olhos fixos nele. Então começou a dizer-lhes: “Hoje se cumpriu esta passagem da Escritura que acabastes de ouvir”. Todos davam testemunho a seu respeito, admirados com as palavras cheias de encanto que saíam da sua boca.” (Lc 4, 16-22ª) 

A natureza específica da homilia é bem percebida pelo evangelista Lucas na narrativa da pregação de Cristo na sinagoga de Nazaré. Depois de ter lido um trecho do profeta Isaías, entregou o rolo ao assistente, e disse: “Hoje se cumpriu esta passagem da Escritura que acabastes de ouvir” (Lc 4,21). Ao ler e refletir sobre este trecho, podemos perceber o entusiasmo que encheu aquela pequena sinagoga: a proclamação da Palavra de Deus na santa assembleia é um evento. Assim lemos na Verbum Domini: “a liturgia é o âmbito privilegiado no qual Deus fala a nós no presente da nossa vida, fala hoje ao seu povo, que escuta e responde” (VD, n. 52). É um âmbito privilegiado, mesmo que não o único. Certamente Deus nos fala de tantos modos: através dos acontecimentos da vida, do estudo pessoal da Escritura, dos momentos de oração silenciosa. A liturgia é, contudo, um âmbito privilegiado porque é ali que escutamos a Palavra de Deus como parte da celebração que culmina na oferta sacrifical de Cristo ao eterno Pai. O Catecismo afirma que “a Eucaristia faz a Igreja” (CIC, n. 1396), mas também que a Eucaristia é inseparável da Palavra de Deus (cf. CIC, n. 1346). 

Dada a sua natureza litúrgica, a homilia possui também um significado sacramental: Cristo está presente, seja na assembleia reunida para escutar a sua palavra, seja na pregação do ministro, através do qual o Senhor mesmo, que falou uma vez na sinagoga de Nazaré, agora ensina o seu povo. O Papa Francisco observa que a homilia “é um gênero peculiar, já que se trata de uma pregação no quadro de uma celebração litúrgica; por conseguinte, deve ser breve e evitar que se pare ça uma conferência ou uma aula” (EG, n. 138). A natureza litúrgica da homilia ilumina, portanto, a sua peculiar função. Ao levar em consideração tal função, pode então ser útil explicar o que a homilia não é. 

A homilia não é um sermão sobre um tema abstrato; em outros termos, a Missa não é uma ocasião, para o pregador, afrontar argumentos completamente desligados da celebração litúrgica e das suas leituras, ou para fazer violência aos textos previstos pela Igreja, contorcendo-os para adaptá-los a uma ideia preconcebida. A homilia não é nem mesmo um puro exercício de exegese bíblica. Como adverte o Papa Francisco, a pregação puramente moralista ou doutrinante, e também a que se transforma em uma aula de exegese, reduzem esta comunicação entre os corações, que se dá na homilia e, que deve ter um caráter quase sacramental, porque a fé vem daquilo que se escuta (cf. EG, n. 142). 

Dizer que a homilia não é nenhuma destas coisas, não significa que na pregação não tenham lugar temas fundamentais, a exegese bíblica, o ensinamento doutrinal e o testemunho pessoal; certamente em uma boa homilia podem ser ele mentos eficazes. É muito apropriado que um homiliasta saiba coligar os textos de uma celebração a fatos e questões da atualidade, partilhar os frutos do estudo para compreender um trecho da Escritura, e demonstrar o nexo que se dá entre a Palavra de Deus e a doutrina da Igreja. Como o fogo, todos estes elementos são bons servidores, mas maus patrões: são bons, se úteis à função da homilia; se a substituem, não o são mais. 

O que é então a homilia? Dois breves extratos das Introduções dos livros litúrgicos da Igreja começam a fornecer uma resposta. Antes de tudo, na Instrução geral do Missal Romano lemos: A homilia é parte da liturgia e vivamente recomendada, sendo indispensável para nutrir a vida cristä. Convém que seja uma explicação de algum aspecto das leituras da Sagrada Escritura ou de outro texto do Ordinário ou do Próprio da missa do dia, levando em conta tanto o mistério celebrado, como as necessidades particulares dos ouvintes (n. 65). 

A Introdução ao Lecionário amplia notavelmente esta breve descrição: A homilia, como parte da Liturgia da Palavra. Que ao longo do ano litúrgico expõe, a partir do texto sagrado, os mistérios da fé e as normas da vida crista, a partir da Constituição litúrgica do Concilio Vaticano II, muitas vezes e com muito interesse foi recomendada e até prescrita para certas ocasiões. Na celebração da Missa, homilia, que normalmente é feita pelo próprio presidente, tem como finalidade que a Palavra de Deus anunciada, juntamente com a liturgia eucarística, seja como “uma proclamação das maravilhas realizadas por Deus na história da salvação ou mistério de Cristo”. Com efeito, o Mistério Pascal de Cristo, anunciado nas leituras e na homilia, realiza-se por meio do sacrifício da Missa. Cristo está sempre presente e operante na pregação de sua Igreja. 

Em síntese, a homilia é traçada por uma dinâmica muito simples: à luz do mistério pascal reflete sobre o significado das leituras e das orações de uma dada celebração, e conduz a assembleia à li turgia eucarística, na qual se participa ao próprio mistério pascal. Isto significa claramente que o âmbito litúrgico é a chave imprescindível para interpretar os textos bíblicos proclamados em uma celebração. 

11.2. O homiliasta

Falharíamos na apresentação deste assunto se omitíssemos algumas informações acerca das características que são fundamentais na formação do caráter ou personalidade do homiliasta:

- O homiliasta deve ser um homem de boa fé e boa conduta, além de bom conhecedor das coisas de Deus e da Igreja. 

- O homiliasta deve ser um homem exemplo de nova vida.

- O equilíbrio mental e emocional é algo indispensável à vida do homiliasta. As palavras revelam o equilíbrio psicológico do homem. As palavras acompanhadas das emoções podem revelar os temperamentos e até as motivações conscientes ou inconscientes. O altar não é uma terapia onde o homiliasta derrama a sua personalidade para os ouvintes. O altar também não é lugar de desabafo, nem de auto exaltação. 

11.3. O preparo da homilia

"A preparação da pregação é uma tarefa tão importante que convém dedicar um tempo prolongado de estudo, oração, reflexão e criatividade pastoral" (EG, n. 145). O Papa Francisco evidencia esta orientação com palavras muito fortes, um pregador que não se prepara, que não reza, "é desonesto e irresponsável" (EG, n. 145), "um falso profeta, um embusteiro ou um charlatão vazio" (EG, n. 151). Claramente, na preparação das homilias o estudo tem um inestimável valor, mas a oração é essencial. 

A observância dos conselhos a seguir certamente ajudará o pregador na sublime e árdua tarefa de preparar a homilia: 

Quanto ao tempo: Gaste bastante tempo no preparo da homilia, mas não muito tempo para proclamá-la na missa. 

Quanto ao objetivo: Estabeleça um alvo ou objetivo da homilia. Tenha um tema.

Quanto ao material: Reúna todo o material possível e que seja útil.

Papa Francisco recomenda aos pregadores para instaurar um profundo diálogo com a Palavra de Deus recorrendo à lectio divina, que é feita de leitura, meditação, oração e contemplação (cf. EG, n. 152). Esta quádrupla abordagem se radica na exegese patrística dos significados espirituais da Escritura e foi desenvolvida, nos séculos sucessivos, pelos monges e monjas que, em oração, refletiram sobre as Escrituras por toda a vida. 

O primeiro passo a leitura, que explora aquilo que o texto bíblico diz por si. Esta leitura orante deveria ser caracterizada por uma atitude de humilde e deslumbrada veneração da Palavra, que se exprime ao demorar-se a estudá-la com a máxima atenção e com um santo temor de manipulá-la (cf. EG, n. 146). Para preparar-se para este primeiro passo, o homiliasta deveria consultar comentários, dicionários e outros estudos que possam ajudá-lo a compreender o significado dos trechos bíblicos no seu contexto originário. Mas depois deve também observar atentamente o começo e o fim dos trechos em questão, a fim de captar o motivo pelo qual o Lecionário decidiu fazê-lo iniciar e terminar deste modo. Existem estudiosos da Bíblia que escreveram sejam comentários bíblicos, reflexões sobre as leituras do Lecionário, aplicando aos textos proclamados na Missa os instrumentos da moderna pesquisa acadêmica; para o homiliasta podem ser de grande ajuda tais publicações. 

O segundo passo, a meditação, explora aquilo que o texto bíblico diz. O Papa Francisco propõe uma simples, mas penetrante pergunta que pode conduzir a nossa reflexão: "Senhor, a mim que me diz este texto? Com esta mensagem, que quereis mudar na minha vida? O que é que me incomoda a neste texto? Porque é que isto não me interessa?"; ou então: "De que gosto? Em que me estimula esta Palavra? Que me atrai? E porque me atrai?" (EG, n. 153). Como ensina, todavia, a tradição da lectio isto não significa que, com a nossa reflexão pessoal, nós nos tornemos os árbitros finais daquilo que o texto diz. Ao evidenciar "o que o texto bíblico nos diz" somos guiados pela Regra de fé da Igreja, a qual prevê um princípio importante da interpretação bíblica que ajuda a evitar interpretações erradas ou parciais (cf. EG, n. 148). Da mesma forma, com a leitura das Escrituras no contexto da inteira Tradição da fé católica, o homiliasta deve também refletir sobre a luz do contexto da comunidade que se reúne para escutar a Palavra de Deus. Unido ao estudo e à oração, a atenção àquilo que acontece na paróquia como na sociedade em sentido amplo, sugerirá percursos de reflexão sobre o quanto a Palavra de Deus tem a dizer a tais comunidades no momento presente. Fruto desta meditação será o discernimento atualizado, à luz da morte e ressurreição de Cristo, em vista da vida da comunidade e do mundo. Assim, o conteúdo da homilia tomará claramente forma. 

O terceiro passo da lectio divina é a oração, que se dirige ao Senhor em resposta à sua palavra. Na experiência individual da lectio este é o momento para o diálogo espontâneo com Deus. As reações às leituras são expressas em termos de temor e de maravilha, há quem seja movido a pedir misericórdia e ajuda, como aqui pode existir a simples explosão de louvor, manifestações de amor e de gratidão. Esta passagem da meditação à oração, se considerada em âmbito litúrgico, evidencia a ligação estrutural entre as leituras bíblicas e o restante da Missa. 

O passo final da lectio é a contemplação, durante a qual, segundo as palavras do Papa Bento XVI, "assumimos como dom de Deus o seu próprio olhar, ao julgar a realidade, e interrogamo-nos: qual é a conversão da mente, do coração e da vida que o Senhor nos pede?" (VD, n. 87). O Papa Bento XVI acrescentou um apêndice aos tradicionais quatro passos da lectio divina: "É bom recordar ainda que a lectio divina não está concluída, na sua dinâmica, enquanto não chegar à ação (actio), que move a do fiel a doar-se aos outros na caridade" (VD, n. 87). O que, no contexto litúrgico, evoca o "ite missa est", ou seja, a missão do povo de Deus ensinado pela Palavra e nutrido pela participação no Mistério Pascal graças à Eucaristia. 

11.4. A estrutura de uma homilia

11.4.1 A introdução

A Introdução é o processo pelo qual o pregador procura preparar a mente dos ouvintes e prender-lhes o interesse na mensagem que vai proclamar. É o momento onde o pregador inicia o seu relacionamento com a comunidade. O pregador entra em contato pessoal e direto com seus ouvintes. A introdução é parte vital da homilia, contudo, o êxito da mesma depende do pregador. 

A introdução serve para despertar o interesse dos ouvintes pelo tema que o homiliasta irá falar e para iniciar o tema. Uma boa introdução aborda o assunto sem exagero. Se a introdução é cheia de entusiasmo, talvez faça surgir esperança que o resto do sermão não possa satisfazer. Seja moderado na introdução. Não abra, nem aqui, e nem durante a homilia, portas que você não irá fechar. Ou seja, não expanda o assunto para assuntos que você não irá trabalhar.

11.4.2 O desenvolvimento

Não há muito de como ensinar fazer o desenvolvimento de uma homilia. Este é o momento onde o homiliasta leva os ouvintes a entender a própria palavra de Deus e aplicá-las na sua realidade. Durante este momento, o homiliasta faz elucidações ao texto bíblico que pode ser de alguns modos distintos:

- Elucidação narrativa: o pregador faz uma narração, com suas próprias palavras, do texto (Paráfrase). 
- Elucidação histórica: quando o pregador esclarece o texto abordando aspectos históricos e geográficos do texto. 
- Elucidação explicativa: o pregador seleciona umas poucas palavras do texto, pertinentes ao tema da mensagem, e explica-as no seu sentido original do texto. 
- Elucidação analítica: aqui o pregador trabalha um pouco mais e faz uma maior análise do texto escolhido para a mensagem. 

Alguns aspectos, do desenvolvimento, porém, podem ser destacados:
- A mensagem da homilia precisa tocar no coração das pessoas e precisa ter um caminho para a prática. 
- Não fale de um monte de coisas se não for falar nada com nada. 
- A homilia é lugar de encontro das pessoas com a Palavra de Deus e lugar para levantá-las e dá-las dignidade. 
- É preciso falar com conhecimento. Isso para não se abrir nenhuma porta no discurso que não será fechada depois. 
-  Não tire o texto bíblico do contexto, pois isso vira pretexto para falar bobagem. 
- Use frases de impacto. 
- As pessoas gostam de aprender algo novo e sempre devemos ter algo novo para acrescentar. 
- Algumas verdades precisam ser ditas de modo a inquietar, mas sem agressividade e sem ataques. 
- Na homilia, nunca proponha algo para os outros, sempre se inclua. Use o “nós”. 
- Não passe mais de 10 minutos de homilia. 
- A homilia deve ser prepara antes e normalmente levada por escrito já para a missa, para não ser demasiadamente longa. 

11.4.3 A conclusão da homilia 

A conclusão deve ser breve. Mesmo sendo considerada uma parte vital da homilia, a conclusão não precisa ser longa. Não nos é possível precisar a quantidade do tempo para a conclusão da homilia, mas devemos aprender a sermos concisos em nossa conclusão, respeitando a expectativa dos nossos ouvintes. Há pessoas que têm dificuldade de concluir. 

Cuidado! Nunca diga: “para concluir”, e comece tudo de novo. Isto cansa os ouvintes. A conclusão deve ser simples. Devemos evitar uma linguagem demasiadamente elaborada e uma conclusão muito ornamentada. O efeito das palavra simples, claras e positivas será muito mais vigoroso na vida dos ouvintes. 

Escolha com cuidado as últimas palavras da conclusão o propósito destas últimas palavras é imprimir no povo de Deus o assunto discutido, realçando a sua importância e urgência. Escolha, por exemplo:
- Uma reprodução forte e vívida do pensamento principal da homilia. 
- A citação do próprio texto bíblico ou litúrgico do dia. 
- Citação de outra passagem bíblica apropriada ao sermão. 
- Um apelo ou desafio imperioso. 
- Um Gesto concreto de conversão. 

Termine sempre com uma frase que provoque o ouvinte pensar e refletir sobre tudo que ouviu.